• Nó Górdio 2
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  • domingo, 10 de março de 2019

    Um olhar fenomenológico diante de mães de crianças microcefálicas


    A microcefalia, associada ao vírus da zica, é uma doença que afeta as relações interpessoais tanto no âmbito familiar, quanto social, visto que a criança nasce com problemas neurológicos, que comprometem o desenvolvimento psicológico, cognitivo e motor. Bem como com o tamanho da cabeça significativamente menor do que a de outras crianças de mesma idade, resultado do cérebro não crescer o suficiente durante a gestação ou após o nascimento. Dessa forma, a criança fica totalmente dependente de outra pessoa, do mesmo modo que não se desenvolve da forma esperada, com isso a realidade dessas famílias é modificada, o cotidiano e os planos são transformados em um momento no qual, principalmente as mães, se sentem perdidas e muitas vezes culpadas pelo filho ter nascido com essa condição.


    Vale ressaltar que durante a gestação o filho já é idealizado, logo, a mãe se submete a uma série de cuidados para garantir que o filho venha com saúde e sem anomalias. Mas o que acontece quando essa expectativa é frustrada? Há mães que acreditam que ter o filho com microcefalia é uma dádiva divina, há outras que têm repulsa e desejam doar o filho, pois não o reconhecem. No primeiro caso são julgadas pelos profissionais da saúde como loucas, e recebem inclusive propostas para o aborto, no segundo caso, também há julgamento, pois acredita-se que o amor da mãe deve ser inabalável, e seria uma crueldade abandonar.

    Pode-se perceber que por todos os lados estas mães sofrem julgamentos, isso deve-se a atitude natural da população, sendo esta a atitude comum, automática, a qual é atravessada por crenças, preconceitos, vivências pessoais, o que pode inconscientemente levar ao julgamento. A forma mais empática de enxergar e respeitar as decisões dessas mães, seria o olhar fenomenológico, dessa forma é possível compreender a vivência dela, enxergar além, tirar o “eu” do cominho e vestir-se com a história do outro.

    Dentro desse contexto, as mães vivem um período de incertezas, inseguranças e grandes desafios, pois por causa das dificuldades que enfrentam todos os dias e também pelo medo - presente a todo momento - de perder seu filho, o sentimento de angústia cresce, o que faz com que elas abandonem o autocuidado e o ser único que são, levando a desestruturação da auto-imagem/self, tendo uma vida voltada apenas para o cuidado com o filho e para suprir suas necessidades.

    Dessa forma, essas mães vão perdendo seu equilíbrio com o meio, algo que de acordo com a Gestalt-terapia pode ser sinal de um funcionamento anormal. Uma vez aberta a Gestalt de um filho com microcefalia, é como se essa mãe nunca mais a fechasse e permanecesse com ela conturbada, impedindo-a, inclusive, de abrir novas gestalts. Essa situação pode levar essas mães a desenvolverem uma neurose, a qual é perceptível na incapacidade de perceber suas próprias necessidades dominantes, que é uma das principais características presente no quadro neurótico. Isso provavelmente acontece por que a partir do momento que recebem o diagnóstico de seus filhos, a prioridade se torna o bem estar deles, fazendo com que todas as necessidades pessoais saiam de cena.

    Levando em consideração a realidade exposta e os princípios humanistas, é importante ressaltar que o ser humano se comporta de maneira intencional, ou seja, de acordo com o sentido que atribui às coisas. Portanto é primordial resgatar e consciência de si dessas mulheres, fazendo-as refletirem sobre suas escolhas, a fim de possibilitar que assumam as rédeas novamente da própria vida, para que possam assim compreender que o foco não é o que a vida fez com elas, mas sim o que elas podem fazer com essa condição que lhes foi dada. Somente assim elas poderão melhor ressignificar  e atribuir um sentido consciente a sua realidade no presente, pois o aqui e o agora é o que pode ser transformado.

    É preciso, pois, cuidar da saúde mental dessas mães, a partir de um olhar compreensivo, de um diálogo responsável, assim como da promoção de um ambiente acolhedor - composto de empatia e aceitação incondicional - em outras palavras, é necessário o clima favorável proposto pelo humanismo. O qual deve ser ofertado pelo psicólogo, mas, também, pelo meio no qual essa mulher vive.

    Portanto, deve ser levado até essas mães que, apesar das dificuldades enfrentadas, elas têm potencialidades e capacidade de não apenas cuidar da criança, mas também de desenvolver novamente um autocuidado e relações interpessoais saudáveis, bem como de compreender sua autonomia diante da situação vivenciada. Assim sendo, a partir da palavra e da escuta propiciadas em um ambiente adequado, será, então, desenvolvido um processo de facilitação para a reestruturação da auto-imagem, ou seja, da personalidade, existência dessas mães.

    Autores:
    Barbara Rodrigues Cazé
    Caio César Fernandes de Santana Bandeira
    Caio Ricardo Santos Almeida
    Carina Oliveira Rios
    Claudio Hummer Freitas de Queiroz
    Larissa Kelly Fonseca de Carvalho
    Lucas Sousa Matos Soares
    Thaís Teixeira de Albuquerque


    Referências:
    AMATUZZI, M. M. Por uma psicologia humana. Campinas: Alínea, 2010.

    AMATUZZI, M. Rogers: ética humanista e psicoterapia. Alinea, 2010.

    CARNEIRO, Rosa Maria; FLEISCHER, Soraya Resende. “Eu não esperava por isso. Foi um susto”: conceber, gestar e parir em tempos de Zika à luz das mulheres de Recife, PE, Brasil. Interface: Comunicação, Saúde e Educação, São Paulo, v. 22, n.66, 2018. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1590/1807-57622017.0857.> Acesso em: 9 de março de 2019.

    SILVA, T. C.. D da; BAPTISTA, C.S.; ALVIM, M.B. O contato na situação contemporânea: um olhar da clínica da gestalt-terapia. Revista da abordagem Gestática,XXI (2), p. 193-201. 2015.

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