A microcefalia, associada ao vírus da zica, é uma
doença que afeta as relações interpessoais tanto no âmbito familiar, quanto
social, visto que a criança nasce com problemas neurológicos, que comprometem o
desenvolvimento psicológico, cognitivo e motor. Bem como com o tamanho da
cabeça significativamente menor do que a de outras crianças de mesma idade,
resultado do cérebro não crescer o suficiente durante a gestação ou após o nascimento.
Dessa forma, a criança fica totalmente dependente de outra pessoa, do mesmo
modo que não se desenvolve da forma esperada, com isso a realidade dessas
famílias é modificada, o cotidiano e os planos são transformados em um momento
no qual, principalmente as mães, se sentem perdidas e muitas vezes culpadas
pelo filho ter nascido com essa condição.
Vale ressaltar que durante a gestação o filho já é
idealizado, logo, a mãe se submete a uma série de cuidados para garantir que o
filho venha com saúde e sem anomalias. Mas o que acontece quando essa
expectativa é frustrada? Há mães que acreditam que ter o filho com microcefalia
é uma dádiva divina, há outras que têm repulsa e desejam doar o filho, pois não
o reconhecem. No primeiro caso são julgadas pelos profissionais da saúde como
loucas, e recebem inclusive propostas para o aborto, no segundo caso, também há
julgamento, pois acredita-se que o amor da mãe deve ser inabalável, e seria uma
crueldade abandonar.
Pode-se perceber que por todos os lados estas mães sofrem julgamentos, isso deve-se a atitude natural da população, sendo esta a atitude comum, automática, a qual é atravessada por crenças, preconceitos, vivências pessoais, o que pode inconscientemente levar ao julgamento. A forma mais empática de enxergar e respeitar as decisões dessas mães, seria o olhar fenomenológico, dessa forma é possível compreender a vivência dela, enxergar além, tirar o “eu” do cominho e vestir-se com a história do outro.
Dentro desse contexto, as mães vivem um período de incertezas, inseguranças e grandes desafios, pois por causa das dificuldades que enfrentam todos os dias e também pelo medo - presente a todo momento - de perder seu filho, o sentimento de angústia cresce, o que faz com que elas abandonem o autocuidado e o ser único que são, levando a desestruturação da auto-imagem/self, tendo uma vida voltada apenas para o cuidado com o filho e para suprir suas necessidades.
Dessa forma, essas mães vão perdendo seu equilíbrio com o meio, algo que de acordo com a Gestalt-terapia pode ser sinal de um funcionamento anormal. Uma vez aberta a Gestalt de um filho com microcefalia, é como se essa mãe nunca mais a fechasse e permanecesse com ela conturbada, impedindo-a, inclusive, de abrir novas gestalts. Essa situação pode levar essas mães a desenvolverem uma neurose, a qual é perceptível na incapacidade de perceber suas próprias necessidades dominantes, que é uma das principais características presente no quadro neurótico. Isso provavelmente acontece por que a partir do momento que recebem o diagnóstico de seus filhos, a prioridade se torna o bem estar deles, fazendo com que todas as necessidades pessoais saiam de cena.
Levando em consideração a realidade exposta e os princípios humanistas, é importante ressaltar que o ser humano se comporta de maneira intencional, ou seja, de acordo com o sentido que atribui às coisas. Portanto é primordial resgatar e consciência de si dessas mulheres, fazendo-as refletirem sobre suas escolhas, a fim de possibilitar que assumam as rédeas novamente da própria vida, para que possam assim compreender que o foco não é o que a vida fez com elas, mas sim o que elas podem fazer com essa condição que lhes foi dada. Somente assim elas poderão melhor ressignificar e atribuir um sentido consciente a sua realidade no presente, pois o aqui e o agora é o que pode ser transformado.
É preciso, pois, cuidar da saúde mental dessas mães, a partir de um olhar compreensivo, de um diálogo responsável, assim como da promoção de um ambiente acolhedor - composto de empatia e aceitação incondicional - em outras palavras, é necessário o clima favorável proposto pelo humanismo. O qual deve ser ofertado pelo psicólogo, mas, também, pelo meio no qual essa mulher vive.
Portanto, deve ser levado até essas mães que, apesar
das dificuldades enfrentadas, elas têm potencialidades e capacidade de não
apenas cuidar da criança, mas também de desenvolver novamente um autocuidado e
relações interpessoais saudáveis, bem como de compreender sua autonomia diante
da situação vivenciada. Assim sendo, a partir da palavra e da escuta
propiciadas em um ambiente adequado, será, então, desenvolvido um processo de
facilitação para a reestruturação da auto-imagem, ou seja, da personalidade,
existência dessas mães.
Autores:
Barbara Rodrigues Cazé
Caio César Fernandes de Santana Bandeira
Caio Ricardo Santos Almeida
Carina Oliveira Rios
Claudio Hummer Freitas de Queiroz
Larissa Kelly Fonseca de Carvalho
Lucas Sousa Matos Soares
Thaís Teixeira de Albuquerque
Referências:
AMATUZZI, M. M. Por
uma psicologia humana. Campinas: Alínea, 2010.
AMATUZZI,
M. Rogers:
ética humanista e psicoterapia. Alinea, 2010.
CARNEIRO, Rosa Maria; FLEISCHER, Soraya
Resende. “Eu não esperava por isso. Foi um susto”: conceber, gestar e parir em
tempos de Zika à luz das mulheres de Recife, PE, Brasil. Interface: Comunicação, Saúde e Educação, São Paulo, v. 22, n.66, 2018.
Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1590/1807-57622017.0857.> Acesso em:
9 de março de 2019.
SILVA, T. C.. D da; BAPTISTA, C.S.;
ALVIM, M.B. O contato na situação contemporânea: um olhar da clínica da
gestalt-terapia. Revista da
abordagem Gestática,XXI (2), p. 193-201. 2015.
Seja o primeiro a comentar!
Deixe teu comentário!