• Nó Górdio 2
  • Nó Górdio 2
  • domingo, 10 de março de 2019

    A perspectiva genética em casos de crianças com microcefalia

    A microcefalia, na sua definição mais básica, caracteriza-se pelo perímetro cefálico pequeno, afastando-se dos parâmetros considerados normais, característica esta, associada a algum comprometimento do sistema nervoso central. Podendo comprometer o desenvolvimento cognitivo e motor do indivíduo em diferentes graus.

    Ela é uma característica que está atrelada a diversas causas, como síndromes genéticas hereditárias, resultado da exposição a agentes teratogênicos ambientais ou de doenças maternas durante a gestação. Nos casos de microcefalia hereditária, ela é de caráter autossômico recessivo.

    Atualmente estuda-se a microcefalia associada ao vírus da zica, ela não se enquadra nas causas genéticas. É uma das sequelas resultantes do processo infeccioso da mãe, causado pelo vírus da zica durante a gestação, sendo ele capaz de prejudicar as células progenitoras neurais, responsáveis pela formação dos ossos e cartilagem do crânio. 

    Nesse contexto, é importante abordar o ponto que tange os “defeitos congênitos”, neles incluem-se todas as anomalias funcionais ou estruturais decorrentes de fatores originados antes do nascimento, mesmo quando o defeito não é aparente no recém-nascido, sendo reconhecido somente mais tarde. Essas deformações congênitas podem se desenvolver a partir de fatores ambientais responsáveis por mutações genéticas, ou intoxicações no período do desenvolvimento embrionário como, por exemplo, o uso de medicamentos, álcool e drogas e exposição a teratógenos. Além disso, há também, em alguns casos, a questão hereditária como causadora congênita de anomalias cromossômicas ou genéticas, visto que, as características foram transmitidas no momento da concepção. Um misto das duas possibilidades, igualmente, pode ser um produtor de anomalias.

    No caso da microcefalia, temos o vírus da zica como causador da infecção congênita. Para constatação dessa suposição, cientistas da área fizeram um isolamento do RNA e antígenos virais no líquido amniótico de mães infectadas e em cérebros de neonatos e fetos com microcefalia, assim, contribuindo para se confirmar a hipótese de que o vírus da zica estava diretamente relacionado com os casos de epidemias de nascimentos com a malformação.

    Assim como a microcefalia hereditária, outras síndromes e doenças podem ser descobertas antes do nascimento, sendo possível, até mesmo, conhecer-se a probabilidade de ocorrência deste evento antes da concepção. O aconselhamento genético é uma forma de obter tais informações, ele é indicado para pessoas que tem na família casos de características ou síndromes, mulheres mais velhas que desejam engravidar, a fim de melhor planejar a geração de um filho, bem como preparar-se para possíveis adversidades que podem surgir.
    O aconselhamento genético é algo recente na história, começou a aparecer na segunda guerra mundial, mas era nomeado até mesmo como “higiene gênica”, pois estava associado ao movimento eugênico e a eliminar pessoas não “qualificadas”. Acreditava-se que era uma forma de eliminar problemas sociais, através da biologia, isso gerou uma série de discussões sobre as práticas médicas e científicas nos campos de concentração. Foi somente nos Estados Unidos, com o médico Sheldon Reed, que o aconselhamento começou a acontecer de fato, dando informações as famílias sobre as características genéticas típicas encontradas entre eles.
    Atualmente o aconselhamento é, também, discutido na esfera da saúde pública, visando a promoção de bem-estar e a garantia de direitos sociais e individuais, pois engloba os riscos de nascimento de crianças com tais traços genéticos. Entretanto, dentro da esfera pública, diversos dilemas a respeito dos compromissos desse procedimento aparecem, como: confidencialidade e privacidade das informações obtidas e neutralidade do aconselhador.
    Além dos dilemas citados, existe uma discussão ética em torno do aconselhamento genético, pois em alguns casos o aconselhamento é uma ótima saída para que buscar ajuda profissional cedo, controlar sintomas e garantir a qualidade de vida. Em contrapartida, há síndromes que o tratamento é escasso ou inexistente, e a compatibilidade com a vida é comprometida em algum estágio. Como é o caso da Doença de Huntington, que é autossômica dominante e possui manifestações clínicas graves e intensas, de caráter irreversível. Isso gera uma série discussões, pois o quais a possibilidades e perspectiva de futuro para um indivíduo que recebe um prognóstico ou diagnóstico de alguma síndrome do tipo?
    Faz-se importante frisar a responsabilidade que envolve o aconselhamento genético, bem como a delicadeza de se noticiar o resultado do mesmo, o que nem sempre acontece. Há uma mãe, um pai, um cuidador, uma família por de trás da criança gerada ou do desejo por uma, não há como desvincular diagnóstico/ prognóstico e pessoa, falar das condições da característica encontrada, sem levar em conta o meio biopsicossocial de quem está recebendo a notícia.
    Não basta comunicar, é preciso saber comunicar, instruir, esclarecer, explicar. Uma informação dessa natureza dada de forma incompleta e sem instrução, torna-se um fardo na vida daquele sujeito, um diagnóstico ou prognóstico desacompanhado de uma equipe multidisciplinar fada-se à achismos, preconceitos e pode prejudicar a perspectiva de futuro tanto dos geradores ou cuidadores, quanto da própria criança se for o caso, impedindo-lhes de buscar ajuda ou soluções. O examinador deve ser facilitador, e não um direcionador, deve ofertar as possibilidades, instrumentos, consequências, mas mantendo-se imparcial para garantir a autonomia do sujeito.

    Autores:
    Barbara Rodrigues Caze
    Caio César Fernandes de Santana Bandeira
    Caio Ricardo Santos Almeida
    Carina Oliveira Rios
    Claudio Hummer Freitas de Queiroz
    Larissa Kelly Fonseca de Carvalho
    Lucas Sousa Matos Soares
    Thaís Teixeira de Albuquerque

    Referências: 
    ALBUQUERQUE, Maria de Fatima Pessoa Militão. et. al. Epidemia de microcefalia e vírus Zika: a construção do conhecimento em epidemiologia. Cadernos de Saúde Pública, v. 34, n. 10, out. 2018. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1590/0102-311x00069018> Acesso em: 10 de março de 2019.

    FRANÇA, Giovanny Vinicius Araújo. et. al. Síndrome congênita associada à infecção pelo vírus Zika em nascidos vivos no Brasil: descrição da distribuição dos casos notificados e confirmados em 2015-2016. Epidemiologia e Serviços de Saúde, Brasília, v. 27, n.2, jul. 2018. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.5123/s1679-49742018000200014> Acesso em: 8 de março de 2019.

    GUEDES, Cristiano; DINIZ, Debora. A ética na história do aconselhamento genético: um desafio à educação médica. Revista Brasileira de Educação Médica, Rio de Janeiro, v. 33, n. 2, abr./jun. 2009. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1590/S0100-55022009000200012> Acesso em: 8 de março de 2019.

    HANNUM, Juliana Santos Souza. et. al. Aconselhamento Genético: Análise e Contribuições a partir do Modelo de Aconselhamento Psicológico. Psicologia: Ciência e Profissão, Brasília, v. 35, n. 3, jul/set 2015. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1590/1982-3703001372013> Acesso em: 9 de março de 2019.

    PINA-NETO, João Monteiro. Aconselhamento genético. Jornal de Pediatria, Porto Alegre, v. 84, n.4, ago. 2008. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1590/S0021-75572008000500004> Acesso em: 9 de março de 2019.

    Continue lendo:
    • Comentários

    Seja o primeiro a comentar!

    Deixe teu comentário!

    Topo