O FENÔMENO DO SUICÍDIO SOB A ÓTICA DA FENOMENOLOGIA
O
suicídio desafia a todos que tentam entender os motivos que levam o indivíduo a
tomar uma atitude tão extrema incompatível com a vida. Sendo um dos grandes
fenômenos que assolam a humanidade, é importante que se tenha um olhar
fenomenológico sobre o mesmo, buscando conhecer e aprofundar o entendimento acerca
da frustração de ser-no-mundo a partir de uma existência de dor e sofrimento.
Segundo Sampaio e Boemer (2000) a única certeza do ser é que em determinada
hora sua existência será cessada pela morte, portanto todos sendo um
ser-para-a-morte e todo o restante uma gama de possibilidades. No caso do
suicídio tal ato é encarado como uma possibilidade de existência, não negando a
morte, mas numa tentativa de antecipa-la. Nesse sentido, tornar-se-á importante
também entender o fundamental papel do psicoterapeuta, que lança uma abordagem
mais humanista sobre o tema, visando proporcionar ao indivíduo a possibilidade
de ressignificação da vida que até então permanecia sem um sentido, buscando
compreender a real situação do cliente e, para tanto, coloca todos os seus
preceitos a priori de lado, buscando
a redução fenomenológica para que se chegue a uma empatia de fato,
possibilitando ao indivíduo uma saída para a autorrealização e adoção de um
plano de futuro, retornando sentido para a sua existência. Dentro disso, Rogers
(1997) postula que o ser tem uma tendência a viver uma relação aberta, amigável
e estreita com sua experiência, ocasionando num adoecimento e a consequente
ideia de suicídio quando tal relação acontece de forma contrária à descrita por
Rogers, sendo missão intrínseca ao terapeuta resgatar, a partir da autonomia do
cliente, o sentido para suas atuações e intencionalidade no sujeito, despertando
nele maior valor para a vida e minimizando as inclinações para o suicídio que o
mesmo venha a ter.
Durkheim,
em seu clássico livro O Suicídio (2014)
define como suicídio “[...] todo caso de morte que resulta direta ou
indiretamente de um ato positivo ou negativo realizado pela própria vítima, e
que ela sabia que produziria esse resultado. ” (p.16). Sendo assim, é comum
caracterizar o suicídio como um fenômeno individual, porém, é necessário levar
em consideração as pressões e fatos sociais que incidem em cada indivíduo, pois
o ser humano é um ser-com-outros e muitas vezes a sociedade moderna impõe
modelos de conduta que devem ser seguidos pela pessoa, ignorando toda a sua
subjetividade e a partir do momento em que ele perde a sua particularidade,
seguindo os padrões que essa sociedade lhe impõe, passa a viver uma existência
inautêntica, gerada de um mal-estar presente na civilização que tem provocado
um adoecimento psicológico. Dentro de tal contexto que engloba as relações
sociais, é indispensável considerar a relação entre o indivíduo e sua família
que, muitas vezes, tem certo despreparo para lidar com tal situação e interpreta
o suicida como um louco. Segundo uma pesquisa realizada por Rocha, Boris e
Moreira (2012) as famílias majoritariamente recorrem à prática religiosa em seguida
do apoio de um hospital psiquiátrico. A religião, por sua vez, encara o fato da
ideação suicida como uma manifestação demoníaca que logo é condenada, recaindo
maior culpa ainda sob o indivíduo que se mantém julgado e com um consequente
sentimento de frustração, sentindo-se cada vez mais responsável pelo seu vazio
existencial. Num dos relatos registrados na pesquisa supracitada, um indivíduo
conta que colegas da igreja após o terem visto conversando sozinho o taxaram
como “doido” e necessitado de ter o demônio retirado de seu corpo. A maioria
dos entrevistados relataram dificuldade para conversarem com seus familiares
sobre a ideação suicida e todos os sentimentos que tal situação abarcava, mesmo
tais familiares sendo significativos para o indivíduo numa situação delicada, a
ideação suicida é posta em segredo pela ausência de seguridade nas relações e pelo
medo do julgamento que possa vir a acontecer.
O
suicídio pode ser visto como uma manifestação individual que é reflexo de uma
sociedade adoecida e os fatores interligados a esse ato estão relacionados com
o desespero humano, muitas vezes advindo da solidão que é um mal tão presente
nessa Era em que a tecnologia toma o lugar das interações sociais e é
perceptível a coisificação das relações, resultando num empobrecimento das
relações interpessoais. O fenômeno da solidão humana tem facetas bastante
complexas que variam de acordo com diferentes situações sendo motivo de
tormento da existência humana, a solidão, muito embora seja algo inerente ao
ser humano, em determinados seres se manifesta como uma angustia insuportável,
tanto que o suicídio é cogitado como solução, como Angerami-Camon (1997) traz a
ideia de que o suicídio é uma resposta do indivíduo à sua condição insuportável
e a desistência do convívio social, passando a mensagem também de que já não a
tolerava e este era um potencializador do sofrimento. Não raro frente a tal
situação de sofrimento e ausência de sentido para suas ações e consequente
existência, o indivíduo passa a tomar a ideia do suicídio como uma solução para
tais problemas, sendo em muitos casos visto pelo suicida como um alívio para
sua solidão existencial, compreendida como tendo sido tomada pela angústia, e a
forma de eliminar todos esses males é o suicídio, um ato que demonstra a culminância
da ausência de crença numa melhora dos aspectos da vida.
Mas,
de fato, o suicídio é um fenômeno antigo e, posto isso, é visto de diferentes
formas por diferentes culturas. Na visão ocidental a pratica suicida é mais
amplamente criticada e incompreendida socialmente, corroborando, por exemplo, a
ideia de Botega (2010) que diz que os dados mensurados acerca de práticas
suicidas são, com clara certeza, subestimáveis, pois em muitos hospitais a real
causa da morte é negligenciada a pedido da família, ou em outros casos quando
uma lesão é justificada sem fazer menção ao que a originou. Segundo dados da
OMS (2014), o Brasil ocupa a oitava posição em números de suicídios no mundo,
lista esta que é encabeçada pela Índia. Diante de tal fato, o Ministério da
Saúde tem feito esforços para contribuir na diminuição de tais números, por
exemplo, com o Plano Nacional de Prevenção ao Suicídio (BRASIL, 2013/2017). Os
profissionais de saúde, sobretudo os que atuam em hospitais, bem como os
psicólogos da tal instituição, imprimem grande esforço no tratamento de
indivíduos que chegam após uma tentativa de suicídio e, como seres humanos,
carregam toda uma bagagem de concepções acerca do ato suicida, tendo que
coloca-la a margem para um atendimento mais compreensivo e humanizado, buscando
compreender o indivíduo em seus aspectos psíquicos e psicossociais por meio de
atitudes facilitadoras que possibilitem a compreensão do fenômeno pelo
indivíduo. De acordo com Loureiro, Santos (2008) o atendimento ao individuo que
tentou o suicídio gera uma torrente de emoções naqueles que o atendem, muitas
vezes resultando num despreparo para lidar com tal realidade em que
profissionais capacitados para salvarem vidas de pessoas que imploram pela
mesma, agora têm que tratar indivíduos que querem extinguir sua própria
existência, gerando nestes profissionais um sentimento de impotência,
frustração, incompreensão e preconceito.
Contudo,
tal quadro reflete diariamente numa realidade de despreparo e forte
discriminação no momento em que profissionais de saúde e em certa medida a
sociedade civil são postos a lidar com o suicídio e seu largo significado.
Sampaio e Boemer (2000) trazem em seu estudo alguns relatos acerca de situações
vivencias num determinado hospital, em um desses relatos, uma enfermeira
desdenha do método escolhido por um suicida que se frustrou do ato, alegando
que ao invés de tomar soda cáustica, deveria tomar cianureto por ser mais
letal. Por meio de tais documentações, é possível se ter uma noção mais clara
acerca do despreparo que ainda vigora no meio responsável pelo atendimento
destes indivíduos em sofrimento, os quais, por sua vez, carecem de um
atendimento cada vez mais humano e acolhedor, a partir de um ponto de vista
humanista-fenomenológico, sendo ouvidos e, sobretudo, assistidos da maneira que
lhes cabem, como seres capazes de lidar com seus anseios e frustrações, tendo
em vista a importante atuação do psicólogo Existencial-Humanista, que age de
forma a enxergar o indivíduo como um todo, que está suscetível a diversas
possibilidades e que está em constante desenvolvimento. Sendo o psicólogo
Existencial-Humanista de extrema relevância para guiar o ser no seu processo de
desenvolvimento das potencialidades, sendo imprescindível que o indivíduo saiba
lidar com as situações que lhe geram extrema angustia que contribuem para que
aja uma perda de sentido da vida o que muitas vezes acarreta no seu
autoextermínio como forma de alívio para esse sofrimento. É essencial refletir
sobre esse tema a partir de uma visão fenomenológica buscando compreender a
atuação do psicólogo, considerando o suicídio um problema de saúde pública no
Brasil, é fundamental a capacitação dos profissionais para que possam enfrentar
o mesmo, lidando com o suicídio a partir da compreensão, acolhimento, do
cuidado e da valorização da vida.
REFERÊNCIAS
· DURKHEIM, Émile. O Suicídio. 1ª edição. São Paulo: Edipro, 2014.
· SAMPAIO, Mauren Alexandra; BOEMER, Magali
Roseira. Suicídio: um ensaio em busca de
um des-velamento do tema. Revista da Escola de Enfermagem da USP, v. 34, n.
4, p. 325-331, 2000.
· ROGERS, C. R. Tornar-se pessoa. 5ª edição. São Paulo: Martins Fontes, 1997.
· ROCHA, Marcio Arthoni Souto da; BORIS, Georges
Daniel Janja Bloc; MOREIRA, Virginia. A
experiência suicida numa perspectiva humanista-fenomenológica. Revista da
abordagem gestaltica, v. 18, n. 1, p. 69-78, 2012.
· ANGERAMI-CAMON, Valdemar Augusto. Suicídio: Fragmentos da Psicoterapia
Existencial. São Paulo: Pioneira, 1997.
·
BOTEGA, Neury José et al. Comportamento suicida: epidemiologia. 2014.
· ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE. Prevenção do suicídio: um manual para
profissionais da saúde em atenção primária. OMS, Genebra, 2000. Disponível em: <http://whqlibdoc.who.int/hq/2000/WHO_MNH_MBD_00.4_por.pdf>. Acesso
em: 08 mar. 2019.
· BRASIL. Plano
Nacional de Prevenção do Suicídio. Programa Nacional para a Saúde Mental.
(2013/2017). Disponível em:
<http://www.portaldasaude.pt/NR/rdonlyres/BCA196AB-74F4-472B-B21E-6386D4C7A9CB/0/i018789.pdf>.
Acesso em: 08 mar. 2019.
· LOUREIRO, Rodrigo Moura. Um possível olhar do comportamento suicida pelos profissionais da saúde.
Scientia Medica, v. 16, n. 2, p. 64-7, 2006.
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