• Nó Górdio 2
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  • domingo, 10 de março de 2019

    O FENÔMENO DO SUICÍDIO SOB A ÓTICA DA FENOMENOLOGIA

    O FENÔMENO DO SUICÍDIO SOB A ÓTICA DA FENOMENOLOGIA


    O suicídio desafia a todos que tentam entender os motivos que levam o indivíduo a tomar uma atitude tão extrema incompatível com a vida. Sendo um dos grandes fenômenos que assolam a humanidade, é importante que se tenha um olhar fenomenológico sobre o mesmo, buscando conhecer e aprofundar o entendimento acerca da frustração de ser-no-mundo a partir de uma existência de dor e sofrimento. Segundo Sampaio e Boemer (2000) a única certeza do ser é que em determinada hora sua existência será cessada pela morte, portanto todos sendo um ser-para-a-morte e todo o restante uma gama de possibilidades. No caso do suicídio tal ato é encarado como uma possibilidade de existência, não negando a morte, mas numa tentativa de antecipa-la. Nesse sentido, tornar-se-á importante também entender o fundamental papel do psicoterapeuta, que lança uma abordagem mais humanista sobre o tema, visando proporcionar ao indivíduo a possibilidade de ressignificação da vida que até então permanecia sem um sentido, buscando compreender a real situação do cliente e, para tanto, coloca todos os seus preceitos a priori de lado, buscando a redução fenomenológica para que se chegue a uma empatia de fato, possibilitando ao indivíduo uma saída para a autorrealização e adoção de um plano de futuro, retornando sentido para a sua existência. Dentro disso, Rogers (1997) postula que o ser tem uma tendência a viver uma relação aberta, amigável e estreita com sua experiência, ocasionando num adoecimento e a consequente ideia de suicídio quando tal relação acontece de forma contrária à descrita por Rogers, sendo missão intrínseca ao terapeuta resgatar, a partir da autonomia do cliente, o sentido para suas atuações e intencionalidade no sujeito, despertando nele maior valor para a vida e minimizando as inclinações para o suicídio que o mesmo venha a ter.
    Durkheim, em seu clássico livro O Suicídio (2014) define como suicídio “[...] todo caso de morte que resulta direta ou indiretamente de um ato positivo ou negativo realizado pela própria vítima, e que ela sabia que produziria esse resultado. ” (p.16). Sendo assim, é comum caracterizar o suicídio como um fenômeno individual, porém, é necessário levar em consideração as pressões e fatos sociais que incidem em cada indivíduo, pois o ser humano é um ser-com-outros e muitas vezes a sociedade moderna impõe modelos de conduta que devem ser seguidos pela pessoa, ignorando toda a sua subjetividade e a partir do momento em que ele perde a sua particularidade, seguindo os padrões que essa sociedade lhe impõe, passa a viver uma existência inautêntica, gerada de um mal-estar presente na civilização que tem provocado um adoecimento psicológico. Dentro de tal contexto que engloba as relações sociais, é indispensável considerar a relação entre o indivíduo e sua família que, muitas vezes, tem certo despreparo para lidar com tal situação e interpreta o suicida como um louco. Segundo uma pesquisa realizada por Rocha, Boris e Moreira (2012) as famílias majoritariamente recorrem à prática religiosa em seguida do apoio de um hospital psiquiátrico. A religião, por sua vez, encara o fato da ideação suicida como uma manifestação demoníaca que logo é condenada, recaindo maior culpa ainda sob o indivíduo que se mantém julgado e com um consequente sentimento de frustração, sentindo-se cada vez mais responsável pelo seu vazio existencial. Num dos relatos registrados na pesquisa supracitada, um indivíduo conta que colegas da igreja após o terem visto conversando sozinho o taxaram como “doido” e necessitado de ter o demônio retirado de seu corpo. A maioria dos entrevistados relataram dificuldade para conversarem com seus familiares sobre a ideação suicida e todos os sentimentos que tal situação abarcava, mesmo tais familiares sendo significativos para o indivíduo numa situação delicada, a ideação suicida é posta em segredo pela ausência de seguridade nas relações e pelo medo do julgamento que possa vir a acontecer.
    O suicídio pode ser visto como uma manifestação individual que é reflexo de uma sociedade adoecida e os fatores interligados a esse ato estão relacionados com o desespero humano, muitas vezes advindo da solidão que é um mal tão presente nessa Era em que a tecnologia toma o lugar das interações sociais e é perceptível a coisificação das relações, resultando num empobrecimento das relações interpessoais. O fenômeno da solidão humana tem facetas bastante complexas que variam de acordo com diferentes situações sendo motivo de tormento da existência humana, a solidão, muito embora seja algo inerente ao ser humano, em determinados seres se manifesta como uma angustia insuportável, tanto que o suicídio é cogitado como solução, como Angerami-Camon (1997) traz a ideia de que o suicídio é uma resposta do indivíduo à sua condição insuportável e a desistência do convívio social, passando a mensagem também de que já não a tolerava e este era um potencializador do sofrimento. Não raro frente a tal situação de sofrimento e ausência de sentido para suas ações e consequente existência, o indivíduo passa a tomar a ideia do suicídio como uma solução para tais problemas, sendo em muitos casos visto pelo suicida como um alívio para sua solidão existencial, compreendida como tendo sido tomada pela angústia, e a forma de eliminar todos esses males é o suicídio, um ato que demonstra a culminância da ausência de crença numa melhora dos aspectos da vida.
    Mas, de fato, o suicídio é um fenômeno antigo e, posto isso, é visto de diferentes formas por diferentes culturas. Na visão ocidental a pratica suicida é mais amplamente criticada e incompreendida socialmente, corroborando, por exemplo, a ideia de Botega (2010) que diz que os dados mensurados acerca de práticas suicidas são, com clara certeza, subestimáveis, pois em muitos hospitais a real causa da morte é negligenciada a pedido da família, ou em outros casos quando uma lesão é justificada sem fazer menção ao que a originou. Segundo dados da OMS (2014), o Brasil ocupa a oitava posição em números de suicídios no mundo, lista esta que é encabeçada pela Índia. Diante de tal fato, o Ministério da Saúde tem feito esforços para contribuir na diminuição de tais números, por exemplo, com o Plano Nacional de Prevenção ao Suicídio (BRASIL, 2013/2017). Os profissionais de saúde, sobretudo os que atuam em hospitais, bem como os psicólogos da tal instituição, imprimem grande esforço no tratamento de indivíduos que chegam após uma tentativa de suicídio e, como seres humanos, carregam toda uma bagagem de concepções acerca do ato suicida, tendo que coloca-la a margem para um atendimento mais compreensivo e humanizado, buscando compreender o indivíduo em seus aspectos psíquicos e psicossociais por meio de atitudes facilitadoras que possibilitem a compreensão do fenômeno pelo indivíduo. De acordo com Loureiro, Santos (2008) o atendimento ao individuo que tentou o suicídio gera uma torrente de emoções naqueles que o atendem, muitas vezes resultando num despreparo para lidar com tal realidade em que profissionais capacitados para salvarem vidas de pessoas que imploram pela mesma, agora têm que tratar indivíduos que querem extinguir sua própria existência, gerando nestes profissionais um sentimento de impotência, frustração, incompreensão e preconceito.
    Contudo, tal quadro reflete diariamente numa realidade de despreparo e forte discriminação no momento em que profissionais de saúde e em certa medida a sociedade civil são postos a lidar com o suicídio e seu largo significado. Sampaio e Boemer (2000) trazem em seu estudo alguns relatos acerca de situações vivencias num determinado hospital, em um desses relatos, uma enfermeira desdenha do método escolhido por um suicida que se frustrou do ato, alegando que ao invés de tomar soda cáustica, deveria tomar cianureto por ser mais letal. Por meio de tais documentações, é possível se ter uma noção mais clara acerca do despreparo que ainda vigora no meio responsável pelo atendimento destes indivíduos em sofrimento, os quais, por sua vez, carecem de um atendimento cada vez mais humano e acolhedor, a partir de um ponto de vista humanista-fenomenológico, sendo ouvidos e, sobretudo, assistidos da maneira que lhes cabem, como seres capazes de lidar com seus anseios e frustrações, tendo em vista a importante atuação do psicólogo Existencial-Humanista, que age de forma a enxergar o indivíduo como um todo, que está suscetível a diversas possibilidades e que está em constante desenvolvimento. Sendo o psicólogo Existencial-Humanista de extrema relevância para guiar o ser no seu processo de desenvolvimento das potencialidades, sendo imprescindível que o indivíduo saiba lidar com as situações que lhe geram extrema angustia que contribuem para que aja uma perda de sentido da vida o que muitas vezes acarreta no seu autoextermínio como forma de alívio para esse sofrimento. É essencial refletir sobre esse tema a partir de uma visão fenomenológica buscando compreender a atuação do psicólogo, considerando o suicídio um problema de saúde pública no Brasil, é fundamental a capacitação dos profissionais para que possam enfrentar o mesmo, lidando com o suicídio a partir da compreensão, acolhimento, do cuidado e da valorização da vida.



    REFERÊNCIAS


    ·   DURKHEIM, Émile. O Suicídio. 1ª edição. São Paulo: Edipro, 2014.
    ·   SAMPAIO, Mauren Alexandra; BOEMER, Magali Roseira. Suicídio: um ensaio em busca de um des-velamento do tema. Revista da Escola de Enfermagem da USP, v. 34, n. 4, p. 325-331, 2000.
    · ROGERS, C. R. Tornar-se pessoa. 5ª edição. São Paulo: Martins Fontes, 1997.
    · ROCHA, Marcio Arthoni Souto da; BORIS, Georges Daniel Janja Bloc; MOREIRA, Virginia. A experiência suicida numa perspectiva humanista-fenomenológica. Revista da abordagem gestaltica, v. 18, n. 1, p. 69-78, 2012.
    · ANGERAMI-CAMON, Valdemar Augusto. Suicídio: Fragmentos da Psicoterapia Existencial. São Paulo: Pioneira, 1997.
    ·         BOTEGA, Neury José et al. Comportamento suicida: epidemiologia. 2014.
    ·       ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE. Prevenção do suicídio: um manual para profissionais da saúde em atenção primária. OMS, Genebra, 2000. Disponível em: <http://whqlibdoc.who.int/hq/2000/WHO_MNH_MBD_00.4_por.pdf>. Acesso em: 08 mar. 2019.
    ·     BRASIL. Plano Nacional de Prevenção do Suicídio. Programa Nacional para a Saúde Mental. (2013/2017). Disponível em: <http://www.portaldasaude.pt/NR/rdonlyres/BCA196AB-74F4-472B-B21E-6386D4C7A9CB/0/i018789.pdf>. Acesso em: 08 mar. 2019.
    ·       LOUREIRO, Rodrigo Moura. Um possível olhar do comportamento suicida pelos profissionais da saúde. Scientia Medica, v. 16, n. 2, p. 64-7, 2006.




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