• Nó Górdio 2
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  • domingo, 10 de março de 2019

    A Neurobiologia do Suicídio: Sistema Seretoninérgico



    Serotonina e Suicídio




    Introdução

               O suicídio sempre foi uma grande preocupação para a humanidade desde os seus primórdios, e sua complexidade multifatorial o torna mais difícil de ser estudado cientificamente, sendo com certeza um grande dificultador de conclusões que sejam corroboradas por toda, ou grande parte do meio científico. Entretanto, algumas teorias realizadas no estudo de substancias neurais, principalmente neurotransmissores, que estejam relacionadas ao ato suicida já existem desde o século XX, e são para muitos a melhor forma de explicar como esse problema acontece, mesmo que em sua complexidade não se possa chegar a uma resposta que indique com clareza uma relação causal entre o suicídio e questões neurobiológicas.



    Serotonina/5-HIAA e estudos pós-morte

               A principal teoria química relacionada ao suicídio é relacionada ao papel da serotonina (5-HT), um importante neurotransmissor relacionado ao controle de humor, comportamento sexual, agressividade, na ansiedade e agressividade. Os estudos feitos por Wolley e Shaw (Côrrea e Barrero, 2006, p. 58), correlacionaram o papel da serotonina em quadros de pacientes psicóticos, mas foi principalmente com a contribuição de Lapin e Oxenkrug (Côrrea e Barrero, 2006, p. 58), que observaram a potencialização da serotonina causada pelos antidepressivos que fez essa teoria ganhar força no meio científico.

               Logo após as descobertas de Lapin e Oxenkrug (Côrrea e Barrero, 2006, p. 58), novas pesquisas Post-Mortem foram feitas ao longo dos anos, correlacionando o baixo nível de serotonina e seu principal metabólito o 5- hidroxiindoleacético (5-HIAA) ao suicídio, isso porque devido à complexidade dos estudos da função serotoninérgica não era possível estudar os pacientes depressivos em vida, sendo assim, como na época se associava a depressão como única forma de causa do suicídio, só era possível fazer a analise de cérebros de suicidas. Contrariamente, o estudo feito em cérebros de suicidas não trouxe muitos avanços números para a ciência, como os níveis de 5-HIAA variavam muito pouco (quando variavam) não era possível ver muita diferença entre uma pessoa com níveis normais de serotonina no cérebro em comparação a uma vítima de suicídio. Como foi falado anteriormente, ainda existia uma mística que todo paciente que cometia suicídio tinha depressão, ou seja, pacientes com outros transtornos mentais não tinham nenhuma associação com baixas no sistema serotoninérgico, o que foi visto como um equívoco tempo depois logo após o estudo de em pacientes que tentaram suicídio, não mais em estado de morte.



    Estudos feitos com pacientes em vida

               Nos estudos feitos com pacientes em vida foi observado que a redução da atividade serotoninérgica não está associada a um problema especifico, mas numa gama de problemas psiquiátricos, e nem por isso pode ser considerada causadora dos mesmos. Além disso, existe uma contestação da teoria serotoninérgica, porque existem vestígios de 5-HIAA na medula espinhal. Entretanto, existe correlação entre concentrações de 5-HIAA no líquor e no córtex cerebral, que variam com o uso de fármacos que afetam o sistema serotoninérgico.

    “Inicialmente esses estudos foram realizados em pacientes deprimidos e, em alguns deles, mostrou-se um distribuição bimodal de 5-HIAA, com um subgrupo de pacientes deprimidos, cerca de 40 % deles com baixas concentrações de 5-HIAA. Esse achado levou a á sugestão de que a depressão poderia ser heterogenia do ponto de vista bioquímico e que existiria um subgrupo particular de pacientes, aqueles com baixas concentrações de 5-HIAA” (Côrrea e Barrero, 2006, p. 59). Entretanto, os avanços do ponto de vista bioquímico não eram os mesmo do ponto de vista clinico, pois não era perceptível observar diferenças entre pessoas que possuíam índices normais 5-HIAA ou menores.

               Do ponto de vista científico, é possível dizer que a teoria que o sistema serotoninérgico estava associado ao suicídio só veio a ser mais aceita (mesmo com muita controvérsia) a partir dos estudos de Asbergs e Cols (Côrrea e Barrero, 2006, p. 59), que constataram uma relação entre uma baixa porcentagem de 5-HIAA e a forma como pessoas se suicidaram, nessa pesquisa enquanto mais violência no ato suicida, menos concentrações 5-HIAA no líquor.



    Serotonina: Pesquisas evoluem

               Foi a partir desses estudos que outros pesquisadores chegaram aos mesmos resultados obtidos por Arbergs e Cols, e com uma evolução bem significante, os estudos sobre baixas concentrações de 5-HIAA deixaram de ser associada apenas a depressão, mas sim a pacientes com quadros de esquizofrenia e pacientes com transtornos de personalidade. Esses estudos ajudaram a concluir que baixas concentrações de 5-HIAA tem relação não só com o comportamento suicida, mas com outros quadros psiquiátricos que podem evoluir para uma tentativa de suicídio ou suicídio completo. Além disso, outros trabalhos como de Brow e cols (Côrrea e Barrero, 2006, p. 60) relacionaram os baixos níveis de 5-HIAA estavam associados à agressividade e/ou impulsividade, que podem ou não estar ligadas direta ou indiretamente ao ato suicida.



    Serotonina: aspectos gerais e sua localização

               A serotonina é encontrada principalmente, cerca de 90%, nas células enterocromafins no intestino, sendo que os outros 10% distribuem-se pelo sistema nervoso central e plaquetas (Côrrea e Barrero, 2006). Como é um importante neurotransmissor, a 5-HT também se encontra no cérebro, pois os neurônios serotoninérgicos são constituintes do núcleo da rafe, sendo muito predominantes na região medial. O núcleo da rafe faz conecções com o sistema límbico, ao passo que o núcleo dorsal faz ligações com regiões corticais e neoestriatais. A serotonina possui uma gama de receptores, tendo como principais os receptores 5-HT3, 5-HT3A, 5-HT3B, 5-HT3B 3 5-HT3C, que atuam modulando e contribuindo na função da 5-Ht. No sistema serotoninérgico, substancias como a SERT,5-HTT é responsável pelo seu transporte e sua recaptção, ou seja, terminar o efeito da substancia e liberar o seu principal metabólito: o 5-HIAA. Após isso, se encerra a função sináptica da serotonina. Entretanto, substancias como inibidores seletivos de recaptação de serotonina são usualmente usados clinicamente para aumentar a duração das sinapses serotoninérgicas, ou seja, esses inibidores agem dificultando a recaptaçao de serotonina, agindo como potencializadores da serotonina no cérebro e atuando no tratamento de síndromes depressivas, transtornos de ansiedade e alguns tipos de transtorno de personalidade.



    Causa da diminuição de serotonina e/ou 5-HIAA



    GENE SLC6A4

               Durante o decorrer dos anos, novas pesquisas genéticas e endocrinológicas tentaram descobrir real motivo da diminuição da atividade serotoninérgica, tais estudos buscaram associar a mutações ou desregulações do sistema endócrino.

               As pesquisas realizadas em busca de genes que possam estar ligados ao comprometimento da função da serotonina tentam buscar uma explicação mais elaborada sobre esse déficit e, entre elas, se destacam uma das teorias mais aceitas, que a teoria sugere que o gene SLC64A localizado no cromossomo dezessete, que está ligado à produção do transportador de serotonina (5-HTT) e na sua recaptação, pode influenciar numa perda da função da serotonina. As pesquisas feitas por Humberto Correa (Côrrea e Barrero, 2006), indicam que o alelo curto do cromossomo dezessete possa estar ligado à disfunção da serotonina, uma vez que, o alelo curto está ligado a baixas atividades de transcrição e recaptção. Já o alelo longo, está mais associado à alta atividade do 5-HTT.

               As pesquisas feitas por Humberto Correa (Côrrea e Barrero, 2006) indicam que existem correlações estre a disfunção da 5-HTT e suicídio, além de atos mais violentos. Entretanto, é importante ressaltar que as pesquisas feitas não podem ser consideradas como aquelas que encontraram a causa do suicídio, pois como já foi dito, o suicídio possui uma multifatorialidade que não pode ser relacionado com uma causa específica.







    Investigações no sistema endócrino

               No livro: “uma morte evitável”, de Humberto Côrrea, é feita uma associação entre o sistema límbico e o sistema endócrino, uma vez que, existem ligações entre o sistema límbico e a hipófise. Para o autor, é necessário fazer investigações endócrinas pela sua gama de probabilidades de estudos, pois como o 5-HIAA é secretado na urina é até mais fácil pesquisar os efeitos do sistema serotoninérgico, apesar de ser invasivo, como nos diz o próprio autor. Humberto Corrêa utiliza-se de vários estudos específicos, que buscavam relacionar outras funções endócrinas. Nessa pesquisa, Humberto encontra relações entre as reduzidas secreções de prolactina em resposta a fenfluramina, que estariam associados a uma perda da função serotoninérgica, mas como disse o próprio autor, “resta, entretanto, explorar mais precisamente quais receptores estão desregulados” (Côrrea e Barrero, 2006, p 78). Nesses estudos também foram observadas relações entre os sistemas de neurotransmissão e de neuro-hormônios, como também no eixo da dopamina, mas não é possível dizer que uma anomalia em um desses sistemas é a causa especifica do suicídio.

               Por fim, a pesquisa neuroendócrina para o grupo de Humberto Côrrea mostrou que existem sim ligações entre substancias do sistema endócrino e o suicídio, mas não é possível dizer que existe uma causa direta, mas sim um conjunto de fatores que podem sim influenciar no ato, ou tentativa de suicídio (Côrrea e Barrero, 2006, p 78). Humberto também conclui que são necessárias ainda mais pesquisas sobre o sistema endócrino e sua relação com o suicídio, e admite que seja preciso ainda estudar mais sobre o papel dos mecanismos compensatórios visando restaurar a serotonina normal, e entender o porquê do fracasso desses mecanismos (Côrrea e Barrero, 2006, p 78).



    O início do começo

               Como foi visto ao longo do texto, existe uma correlação entre o suicídio e o sistema serotoninérgico, apesar de não se ter uma causa especifica para essa baixa de serotonina que possa levar a uma tentativa de suicídio ou suicídio completo. É bem verdade que a queda de serotonina não está ligada diretamente ao suicídio, pois não necessariamente quem comete suicídio tem perdas nessa função, uma vez que, nos experimentos de Van Praag e Korf (Côrrea e Barrero, 2006, p. 59), foi verificada uma dualidade nos números obtidos, pois existem pacientes que cometem suicídio que não possuem grandes variações de serotonina ou do seu principal metabólito, o 5-HIAA. Entretanto, foi possível observar que a baixa de serotonina pode levar a problemas psiquiátricos que não seja só a depressão, como a esquizofrenia transtornos de personalidade, juntamente com a agressividade, que pode levar a mortes por suicídio mais violentas.

               Não é inoportuno dizer que ainda existe um longo caminho a se seguir, pois ainda existem muitas lacunas na pesquisa sobre as causas neurobiológicas que relacionem diretamente o suicídio com alguma disfunção no sistema límbico. Mesmo a teoria da serotonina ainda sendo uma das mais aceitas para o suicídio, ainda existe muitas duvidas sobre sua causa, ou mais necessariamente, o porquê dessa baixa de serotonina. A resposta pode ser apreendida nas palavras de Humberto, quando é exposto à necessidade de se entender o suicídio de uma maneira multifatorial, e que ainda é preciso muitos estudos nesse campo para poder encontrar uma causa especifica (Côrrea e Barrero, 2006). Mas por enquanto, não se nega a existência de multifatores que influenciam no suicídio, mas por outro lado, não se nega a inexistência de estudos que façam uma investigação que é sem dúvida complexa, e que depende de avanços nas pesquisas e, principalmente, na tecnologia.

















    Referencias

    Côrrea, Humberto.; Barrero, S. P. (Coords). Suicídio: uma morte evitável. São Paulo. Editora Atheneu, 2006.



    Machado, Angelo B.M.; Haertel, Lúcia Machado.  Neuroanatomia funcional. 3.ed. São Paulo: Atheneu, 2006.



    Saraiva, C. B.; Peixota, B.; Sampaio, D. (Coords). Suicídio e Comportamentos Autolesivos – Dos Conceitos à  Prática Clínica. Lisboa. Lidel, 2014.








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