Serotonina e Suicídio
Introdução
O suicídio sempre foi uma grande
preocupação para a humanidade desde os seus primórdios, e sua complexidade
multifatorial o torna mais difícil de ser estudado cientificamente, sendo com
certeza um grande dificultador de conclusões que sejam corroboradas por toda,
ou grande parte do meio científico. Entretanto, algumas teorias realizadas no
estudo de substancias neurais, principalmente neurotransmissores, que estejam
relacionadas ao ato suicida já existem desde o século XX, e são para muitos a
melhor forma de explicar como esse problema acontece, mesmo que em sua
complexidade não se possa chegar a uma resposta que indique com clareza uma
relação causal entre o suicídio e questões neurobiológicas.
Serotonina/5-HIAA e estudos pós-morte
A principal teoria química
relacionada ao suicídio é relacionada ao papel da serotonina (5-HT), um
importante neurotransmissor relacionado ao controle de humor, comportamento
sexual, agressividade, na ansiedade e agressividade. Os estudos feitos por Wolley
e Shaw (Côrrea e Barrero, 2006, p. 58), correlacionaram o papel da serotonina
em quadros de pacientes psicóticos, mas foi principalmente com a contribuição
de Lapin e Oxenkrug (Côrrea e Barrero, 2006, p. 58), que observaram a potencialização
da serotonina causada pelos antidepressivos que fez essa teoria ganhar força no
meio científico.
Logo após as descobertas de Lapin e
Oxenkrug (Côrrea e Barrero, 2006, p. 58), novas pesquisas Post-Mortem foram feitas ao longo dos anos, correlacionando o baixo
nível de serotonina e seu principal metabólito o 5- hidroxiindoleacético
(5-HIAA) ao suicídio, isso porque devido à complexidade dos estudos da função
serotoninérgica não era possível estudar os pacientes depressivos em vida,
sendo assim, como na época se associava a depressão como única forma de causa
do suicídio, só era possível fazer a analise de cérebros de suicidas.
Contrariamente, o estudo feito em cérebros de suicidas não trouxe muitos
avanços números para a ciência, como os níveis de 5-HIAA variavam muito pouco
(quando variavam) não era possível ver muita diferença entre uma pessoa com
níveis normais de serotonina no cérebro em comparação a uma vítima de suicídio.
Como foi falado anteriormente, ainda existia uma mística que todo paciente que
cometia suicídio tinha depressão, ou seja, pacientes com outros transtornos
mentais não tinham nenhuma associação com baixas no sistema serotoninérgico, o
que foi visto como um equívoco tempo depois logo após o estudo de em pacientes
que tentaram suicídio, não mais em estado de morte.
Estudos feitos com pacientes em vida
Nos estudos feitos com pacientes em
vida foi observado que a redução da atividade serotoninérgica não está
associada a um problema especifico, mas numa gama de problemas psiquiátricos, e
nem por isso pode ser considerada causadora dos mesmos. Além disso, existe uma
contestação da teoria serotoninérgica, porque existem vestígios de 5-HIAA na
medula espinhal. Entretanto, existe correlação entre concentrações de 5-HIAA no
líquor e no córtex cerebral, que variam com o uso de fármacos que afetam o
sistema serotoninérgico.
“Inicialmente esses estudos foram
realizados em pacientes deprimidos e, em alguns deles, mostrou-se um
distribuição bimodal de 5-HIAA, com um subgrupo de pacientes deprimidos, cerca
de 40 % deles com baixas concentrações de 5-HIAA. Esse achado levou a á
sugestão de que a depressão poderia ser heterogenia do ponto de vista
bioquímico e que existiria um subgrupo particular de pacientes, aqueles com baixas
concentrações de 5-HIAA” (Côrrea e Barrero, 2006, p. 59). Entretanto, os
avanços do ponto de vista bioquímico não eram os mesmo do ponto de vista
clinico, pois não era perceptível observar diferenças entre pessoas que
possuíam índices normais 5-HIAA ou menores.
Do ponto de vista científico, é
possível dizer que a teoria que o sistema serotoninérgico estava associado ao
suicídio só veio a ser mais aceita (mesmo com muita controvérsia) a partir dos
estudos de Asbergs e Cols (Côrrea e Barrero, 2006, p. 59), que constataram uma
relação entre uma baixa porcentagem de 5-HIAA e a forma como pessoas se
suicidaram, nessa pesquisa enquanto mais violência no ato suicida, menos
concentrações 5-HIAA no líquor.
Serotonina: Pesquisas evoluem
Foi a partir desses estudos que
outros pesquisadores chegaram aos mesmos resultados obtidos por Arbergs e Cols,
e com uma evolução bem significante, os estudos sobre baixas concentrações de
5-HIAA deixaram de ser associada apenas a depressão, mas sim a pacientes com
quadros de esquizofrenia e pacientes com transtornos de personalidade. Esses
estudos ajudaram a concluir que baixas concentrações de 5-HIAA tem relação não
só com o comportamento suicida, mas com outros quadros psiquiátricos que podem
evoluir para uma tentativa de suicídio ou suicídio completo. Além disso, outros
trabalhos como de Brow e cols (Côrrea e Barrero, 2006, p. 60) relacionaram os
baixos níveis de 5-HIAA estavam associados à agressividade e/ou impulsividade,
que podem ou não estar ligadas direta ou indiretamente ao ato suicida.
Serotonina: aspectos gerais e sua localização
A serotonina é encontrada
principalmente, cerca de 90%, nas células enterocromafins no intestino, sendo
que os outros 10% distribuem-se pelo sistema nervoso central e plaquetas (Côrrea
e Barrero, 2006). Como é um importante neurotransmissor, a 5-HT também se
encontra no cérebro, pois os neurônios serotoninérgicos são constituintes do
núcleo da rafe, sendo muito predominantes na região medial. O núcleo da rafe
faz conecções com o sistema límbico, ao passo que o núcleo dorsal faz ligações
com regiões corticais e neoestriatais. A serotonina possui uma gama de
receptores, tendo como principais os receptores 5-HT3, 5-HT3A, 5-HT3B, 5-HT3B 3
5-HT3C, que atuam modulando e contribuindo na função da 5-Ht. No sistema
serotoninérgico, substancias como a SERT,5-HTT é responsável pelo seu
transporte e sua recaptção, ou seja, terminar o efeito da substancia e liberar
o seu principal metabólito: o 5-HIAA. Após isso, se encerra a função sináptica
da serotonina. Entretanto, substancias como inibidores seletivos de recaptação
de serotonina são usualmente usados clinicamente para aumentar a duração das
sinapses serotoninérgicas, ou seja, esses inibidores agem dificultando a
recaptaçao de serotonina, agindo como potencializadores da serotonina no
cérebro e atuando no tratamento de síndromes depressivas, transtornos de
ansiedade e alguns tipos de transtorno de personalidade.
Causa da diminuição de serotonina e/ou 5-HIAA
GENE SLC6A4
Durante o decorrer dos anos, novas
pesquisas genéticas e endocrinológicas tentaram descobrir real motivo da diminuição
da atividade serotoninérgica, tais estudos buscaram associar a mutações ou
desregulações do sistema endócrino.
As pesquisas realizadas em busca de
genes que possam estar ligados ao comprometimento da função da serotonina
tentam buscar uma explicação mais elaborada sobre esse déficit e, entre elas,
se destacam uma das teorias mais aceitas, que a teoria sugere que o gene SLC64A
localizado no cromossomo dezessete, que está ligado à produção do transportador
de serotonina (5-HTT) e na sua recaptação, pode influenciar numa perda da
função da serotonina. As pesquisas feitas por Humberto Correa (Côrrea e
Barrero, 2006), indicam que o alelo curto do cromossomo dezessete possa estar
ligado à disfunção da serotonina, uma vez que, o alelo curto está ligado a
baixas atividades de transcrição e recaptção. Já o alelo longo, está mais
associado à alta atividade do 5-HTT.
As pesquisas feitas por Humberto
Correa (Côrrea e Barrero, 2006) indicam que existem correlações estre a
disfunção da 5-HTT e suicídio, além de atos mais violentos. Entretanto, é
importante ressaltar que as pesquisas feitas não podem ser consideradas como
aquelas que encontraram a causa do suicídio, pois como já foi dito, o suicídio
possui uma multifatorialidade que não pode ser relacionado com uma causa
específica.
Investigações no sistema endócrino
No livro: “uma morte evitável”, de
Humberto Côrrea, é feita uma associação entre o sistema límbico e o sistema
endócrino, uma vez que, existem ligações entre o sistema límbico e a hipófise. Para
o autor, é necessário fazer investigações endócrinas pela sua gama de
probabilidades de estudos, pois como o 5-HIAA é secretado na urina é até mais
fácil pesquisar os efeitos do sistema serotoninérgico, apesar de ser invasivo,
como nos diz o próprio autor. Humberto Corrêa utiliza-se de vários estudos
específicos, que buscavam relacionar outras funções endócrinas. Nessa pesquisa,
Humberto encontra relações entre as reduzidas secreções de prolactina em
resposta a fenfluramina, que estariam associados a uma perda da função
serotoninérgica, mas como disse o próprio autor, “resta, entretanto, explorar
mais precisamente quais receptores estão desregulados” (Côrrea e Barrero, 2006, p 78). Nesses
estudos também foram observadas relações entre os sistemas de neurotransmissão
e de neuro-hormônios, como também no eixo da dopamina, mas não é possível dizer
que uma anomalia em um desses sistemas é a causa especifica do suicídio.
Por fim, a pesquisa
neuroendócrina para o grupo de Humberto Côrrea mostrou que existem sim ligações
entre substancias do sistema endócrino e o suicídio, mas não é possível dizer
que existe uma causa direta, mas sim um conjunto de fatores que podem sim
influenciar no ato, ou tentativa de suicídio (Côrrea e Barrero, 2006, p 78). Humberto
também conclui que são necessárias ainda mais pesquisas sobre o sistema
endócrino e sua relação com o suicídio, e admite que seja preciso ainda estudar
mais sobre o papel dos mecanismos compensatórios visando restaurar a serotonina
normal, e entender o porquê do fracasso desses mecanismos (Côrrea e Barrero,
2006, p 78).
O início do começo
Como foi visto ao longo do texto,
existe uma correlação entre o suicídio e o sistema serotoninérgico, apesar de
não se ter uma causa especifica para essa baixa de serotonina que possa levar a
uma tentativa de suicídio ou suicídio completo. É bem verdade que a queda de
serotonina não está ligada diretamente ao suicídio, pois não necessariamente
quem comete suicídio tem perdas nessa função, uma vez que, nos experimentos de
Van Praag e Korf (Côrrea e Barrero, 2006, p. 59), foi verificada uma dualidade
nos números obtidos, pois existem pacientes que cometem suicídio que não
possuem grandes variações de serotonina ou do seu principal metabólito, o
5-HIAA. Entretanto, foi possível observar que a baixa de serotonina pode levar
a problemas psiquiátricos que não seja só a depressão, como a esquizofrenia
transtornos de personalidade, juntamente com a agressividade, que pode levar a
mortes por suicídio mais violentas.
Não é inoportuno dizer que ainda
existe um longo caminho a se seguir, pois ainda existem muitas lacunas na
pesquisa sobre as causas neurobiológicas que relacionem diretamente o suicídio
com alguma disfunção no sistema límbico. Mesmo a teoria da serotonina ainda sendo
uma das mais aceitas para o suicídio, ainda existe muitas duvidas sobre sua
causa, ou mais necessariamente, o porquê dessa baixa de serotonina. A resposta
pode ser apreendida nas palavras de Humberto, quando é exposto à necessidade de
se entender o suicídio de uma maneira multifatorial, e que ainda é preciso
muitos estudos nesse campo para poder encontrar uma causa especifica (Côrrea e
Barrero, 2006). Mas por enquanto, não se nega a existência de multifatores que
influenciam no suicídio, mas por outro lado, não se nega a inexistência de
estudos que façam uma investigação que é sem dúvida complexa, e que depende de
avanços nas pesquisas e, principalmente, na tecnologia.
Referencias
Côrrea, Humberto.; Barrero, S.
P. (Coords). Suicídio: uma morte evitável. São Paulo. Editora Atheneu, 2006.
Machado, Angelo B.M.; Haertel,
Lúcia Machado. Neuroanatomia funcional.
3.ed. São Paulo: Atheneu, 2006.
Saraiva, C. B.; Peixota, B.;
Sampaio, D. (Coords). Suicídio e Comportamentos Autolesivos – Dos Conceitos
à Prática Clínica. Lisboa. Lidel, 2014.
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